sábado, 13 de dezembro de 2008

Lá fora, entrevendo o aparente vazio dentro da galeria, você fica pensando coisas do tipo “parece que não tem nada...”. Quando se entra na galeria a primeira sensação é a de que a exposição está em processo de montagem. Então você pára e espera um pouco. Na discreta e austera paisagem os olhos passeiam, ansiosos, tentando identificar a exposição. Dissimulados no espaço, os objetos parecem se esconder, tímidos como coelhos ou espertos como raposas, como se esperassem uma reação do espectador. A magra visão de um espaço expositivo seminu, não fossem algumas intervenções localizadas e uma emblemática foto de uma mão segurando dois dados lisos, ou cubos, pode desanimar os espectador mais preguiçoso, apressado, ou desatento. Numa parede, à direita de quem entra, há uma reentrância, semelhante a uma porta, que revela uma estrutura de madeira. Abaixo dela, uma escadinha branca de dois degraus. Tudo com uma aparência ligeiramente inacabada. O olho passeia, ávido, procurando organizar as peças desse jogo imaginário e fugidio. Perto da entrada percebemos que no chão há um ralo quadrado com um desenho que parece ser um labirinto circular. Em cima de uma parede, quase na ponta, ao fundo da galeria há uma bola, velha, mas ainda assim, uma bola, signo de um jogo que não nos deixa duvidar, como também os dados, embora sem os furos correspondentes aos números, das intenções da exposição. Acima da mencionada fotografia percebe-se parafusos ou pregos dispersos casualmente na parede. Estarão ali por acaso? Indaga-se até o mais experimentado espectador. Tudo aparenta dispersão. O acaso, inimigo ou amigo virtual de qualquer jogador e componente essencial, indispensável ou inevitável em qualquer jogo paira como sombra invisível em todo o espaço. O nome da exposição de Rubens Mano, “Let’s play”, na Casa Triângulo, deixa pistas: o artista propõe um jogo em que as regras quem deve fazer, ou encontrar, é o espectador. Tarefa difícil em que o jogo de intervenções, supostamente avulsas, parece conspirar para que este talvez não aconteça. Pelo menos, não no sentido convencional do termo jogo. E se encararmos a exposição com essa intenção perderemos, irremediavelmente, a proposta lançada pelo artista. Um jogo é uma intervenção (pre)determinada num espaço ou campo. Mas não esse. É mais fácil pensar que o artista, nesse caso, joga não só no espaço, mas com o próprio espaço, sendo este seu objeto de trabalho. Então, nesta exposição é inútil procurar qualquer objeto de arte, porque este, que parece se ocultar o tempo todo, é o próprio espaço da galeria. É ele que o artista expõe. Joga o espaço em outra dimensão dando nova significação a ele. Os signos reentrância, escada, ralo, labirinto, dados, bola e pregos dispersos revelam as estruturas de um jogo em que as regras parecem coelhos e raposas em fuga. Por outro lado podemos interpretar esses signos como as próprias regras que devem ser interpretadas para se entender o jogo proposto. As inserções no espaço da galeria confrontam o espectador com o seu universo baseado em idéias preconcebidas. Avessas às (pre)concepções, elas escapam a cada tentativa que fazemos de apreendê-las ou interligá-las. As associações são permitidas mas, resistindo às interpretações convencionais, permanecem irredutíveis em sua individualidade silenciosa. Podemos tentar encontrar, no máximo, pistas das regras desse jogo escorregadio. Em vão. Impossível fixá-las com pregos em nossa mente cartesiana, acostumada a ordenar idéias e coisas dispersas na tentativa de dar sentido a tudo. Vagas, escapam por reentrâncias e ralos, rolando como esferas ou cubos no campo caótico do puro acaso. A razão, tenta estabelecer princípios através da formas geométricas, ideais. Mas o acaso espreita se esgueirando como raposa, anulando ou demolindo as supostas estruturas e paredes sólidas das nossas (vãs) certezas. As intervenções tópicas resistem a qualquer leitura convencional, estão no limiar de um dilema, inseridas numa galeria, mas parecem não se subordinar aos estatutos ou institutos da arte. São como silenciosos ruídos que reinterpretam e redimensionam o espaço ou questionam sua própria importância como arte e, na sua ambígua e frágil condição, sugerem que não poderiam estar em outro lugar, mas, por acaso, poderiam ser outra coisa. Dependem fundamentalmente do lugar onde foram concebidas ou colocadas, mas sua permanência é questionável. Sua discreta existência ressalta sua instabilidade assim como o status, valor ou lugar da arte no mundo. Na posição de instalações ou specific-sites, as intervenções escapam às considerações pontuais dos objetos de arte. No limite entre ser ou não ser, estar ou não estar, deixam vislumbrar seu mal-estar como convidados clandestinos a uma exposição que parece não ter existido, um jogo que aconteceu virtualmente, tímidos animais em permanente fuga.
Casa Triângulo
Rua Paes de Araújo, 77 - Itaim Bibi - São Paulo - SP
Tel.: 3156-5621
26.11.08 / 20.12.08
terça - Sábado 11 às 19h




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