segunda-feira, 29 de setembro de 2008


o vento sopra suave nesta madrugada na árida planície remana no planeta caveira tudo parece tranqüilo outrora não era assim nos seus cinco bilhões de anos o planeta já passou por grandes e radicais transformações a planície remana fica numa imensa cratera chamada remo o planeta já teve e tem incontáveis vulcões muitos ainda em atividade conseqüência de antiga e intensa atividade geológica agravada ainda pelo contínuo e impiedoso bombardeamento de meteoritos e asteróides que forma um relevo repleto de crateras visto do espaço sideral o planeta parece uma caveira humana razão que levou os cientistas a lhe batizarem com esse nome quando a atividade vulcânica diminuiu mas não se extinguiu a fertilidade do solo possibilitou o crescimento de uma densa floresta de samambaias de todos os tipos e tamanhos a floresta encobre em parte o acidentado relevo mas os profundos desníveis das gigantescas crateras vistas do alto não deixaram disfarçar os efeitos dos catastróficos bombardeamentos de meteoritos e asteróides muitos deles enormes samambaias de tamanhos medianos e pequenas crescem à sombra das gigantes a estrela ao redor da qual o planeta caveira orbita brilha intensa e bela em outras paragens há cânions tão profundos que não se pode ver além de cem metros são desfiladeiros sinuosos o olhar não consegue alcançar os imensos paredões de pedras cintilantes de tonalidades quentes vermelhos laranjas e amarelos não só ofuscam mas também impedem que se veja o que há depois de suas curvas radicais tanto no sentido horizontal quanto vertical o reflexo da luz da grande estrela sobre as rochas produz brilho intenso e cegante na grande depressão chamada alana tem um deserto de sal em tons de amarelo e roxo a luz do grande astro se reflete sôfrega sobre o sal as cores refulgem e confundem o sódio se erige em esculturas de tamanhos variados vazadas em formas agressivas esculpidas pela fúria dos ventos setentrionais são seres minerais que parecem observar o planeta e suas transformações impassíveis e hieráticos essas esculturas naturais estão em constante mutação à mercê dos caprichos dos ventos contraditórios que mudam de direção intensidade e velocidade de uma hora para outra em certas partes quase inacessíveis e extremamente desérticas há ossadas de antigos animais algumas espécies com medidas de apenas trinta centímetros e outras chegando aos trinta metros ou mais repousam milhares de esqueletos inteiros ou fragmentados com seus alvos ossos sob a luz intensa da grande estrela protegidos pela secura desértica que os conserva milênios a fio os esqueletos se acumulam por quilômetros brilham brancos à luz da grande estrela o grande cemitério natural não é só ao ar livre no subsolo jazem soterrados centenas de milhares de esqueletos mais que o dobro dos que descansam na superfície e bem mais antigos que esses são muitas as camadas de sedimentos que se sobrepõem por quilômetros subsolo adentro muitos esqueletos em perfeito estado outros quase completos e outros em diversos estados de fragmentação na superfície crânios separados dos esqueletos rolam nos campos vazios como bolas de futebol chutadas por jogadores invisíveis como num jogo fantasmagórico as caveiras em certos momentos até voam alçadas por um vento que para o planeta caveira pode ser considerado tranqüilo vai desabando a noite sob o céu estrelado o crepúsculo só dura de cinco a sete minutos nesta época do ano é verão o manto negro da noite veste esta parte do planeta observada pelos vários satélites naturais que o orbitam localizados a distâncias variadas uns mais afastados a maioria mais próximos brilhantes com o reflexo da grande estrela e vistos do planeta parecem lustres dourados de dimensões variadas os mais próximos gigantescos os mais distantes menores mas não só devido à distância é que quanto mais distantes sua massa é menor em relação aos satélites anteriores o brilho acachapante da grande estrela se reflete nos satélites mesmo nos mais distantes assim a noite nessa parte do planeta caveira está bastante iluminada o reflexo da intensa luz sobre as ossadas torna-as douradas em certos ossos o brilho é tão forte que chega a ofuscar sombras gigantes das ossadas se projetam fantasmagóricas no chão estes animais tão antigos de épocas recuadas no tempo ocuparam este planeta e alimentaram-se da floresta de samambaias gigantes mas o que teria causado sua extinção? suspeita-se que alguma repentina mudança climática possa ter causado um resfriamento planetário o qual causou a extinção das espécies vegetais adaptadas ao calor dos climas amenos e não aos rigores de um brusca queda climática cientistas especulam que durante milhões ou talvez bilhões de anos o planeta foi povoado não só por vertebrados de pequeno médio ou grande porte mas por milhares de formas de vida invertebrada fósseis dessas espécies têm sido encontrados corroborando essa teoria a extinção em massa não aconteceu para todas as espécies tanto animais quanto vegetais simultaneamente ao repentino resfriamento de acordo com registros fósseis enquanto a maioria das formas de vida principalmente as de médio e grande porte sucumbia à mudança do clima e suas baixas temperaturas algumas espécies menores incluindo as unicelulares tentaram se adaptar ao frio mas as baixas temperaturas se por algum tempo se estabilizavam de repente voltavam a cair obrigando as espécies sobreviventes a constantes esforços biológicos e evolutivos ao longo de milhares de anos a era glacial foi se acirrando as espécies remanescentes aos poucos foram sucumbindo cansadas de tanta mudança climática brusca assim o planeta permaneceu por milhões de anos até que aconteceu outra mudança repentina e radical: o aquecimento progressivo do planeta antes coberto de gelo desde os pólos até quase a linha que o divide ao meio a mudança foi tão grande que o gelo todo derreteu em sete anos o planeta então virou um grande oceano mas o aquecimento progredia tão inclemente que em setenta anos o mar inteiro secou não houve tempo suficiente para que se desenvolvesse qualquer forma de vida a água toda evaporou mas ninguém sabe em detalhes o que aconteceu apenas que houve um superaquecimento planetário noutra parte do planeta conchas de formatos e tamanhos variados povoam com infinitos tons de branco à luz da grande estrela os vastos campos áridos da enorme planície sywana também situada dentro de uma enorme cratera as conchas se espalham aos milhares abandonadas ao torpor árido do deserto não sopra vento algum moluscos gigantes apodrecem sob o calor escaldante da grande estrela o fedor se alastra por quilômetros atraindo espécies carniceiras a carne dos moluscos exala uma fumaça fedorenta que faz a delícia das bestas são seres alados de chifres retos verticais com olhos esbugalhados e focinhos de cachorro pitbull com asas que podem alcançar dez metros de envergadura aos milhares banqueteiam-se com a carne podre dos moluscos a presença maciça de conchas a ausência de ventos a modorra de uma atmosfera abafada não há qualquer remoto sinal de que outrora houve conflitos aí pois esses estão enterrados ou fossilizados ou no máximo só restam seus esqueletos abandonados e dispersos nos espaços estéreis de um planeta remoto afora a calma a serenidade e o silêncio os indícios de conflitos não são mais do que atestados do seu fim toneladas de conflitos descansam em paz sepultados nos abismos do silêncio e do olvido o vento sopra quente e impiedoso sua fúria presenciou a longa permanência de formas de vida simples e complexas que se extinguiram e deram lugar a outras formas de vida mais capazes ou apenas sortudas o vento teria colaborado com a extinção da vida no planeta? não os ventos são testemunhas do ciclo da vida as coisas expostas a ele podem se deteriorar mais rapidamente mas isso é parte da dinâmica que sua existência prevê para além da imprecisa presença dos ventos os mesmos elementos que proporcionam a vida trazem no seu bojo a morte as samambaias gigantes se curvam com o vento quente setentrional a floresta de samambaias tem infinitos matizes de verde no nível superior onde estão as espécies mais antigas que podem chegar a dois mil anos e a trinta metros de altura as tonalidades são mais escuras com incontáveis tons e subtons uma grande diversidade de espécies animais habita cada nível e cada um deles possui uma grande variedade de espécies de samambaias cada espécie tem um subtom de verde diferente existem tantos subtons quanto a quantidade de espécies conforme os níveis vão ficando mais próximos do sol os tons escurecem e com as sombras as espécies dos níveis mais baixos e próximos do solo têm tons de verde mais claros chegando em algumas espécies a um verde próximo do branco animais de diversas estaturas desde os gigantes até os de menor porte devoram os brotos as samambaias emitem estranhos sons de dor gemem não só as que estão sendo devoradas mas todas de todos os níveis tons e subtons é um clamor geral os animais se assustam nem todos pois algumas espécies já têm a audição adaptada a essa defesa das samambaias mas a maioria ainda se alvoroça causando um alarido ensurdecedor o gemido das samambaias se mistura aos urros uivos grasnidos pios miados rugidos e todo tipo de ruído de susto animal depois de muito tempo de repente como num truque de mágica essa babel sonora animal e vegetal se esvai como se o vento a levasse

Palavras em Transe - tela 4 (2007)
Acrílica s/ tela
219,0 cm (diâmetro)

1 comentários:

Unknown disse...

Talvez você devesse pensar em publicar um livro (de contos?) usando suas telas como ilustrações. Doris.

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