segunda-feira, 7 de junho de 2010

Cenário: despojado, com velas compridas em número suficiente para formar um grande quadrado onde no centro ficará, imóvel, o ator.
Iluminação: com o palco imerso em escuridão, se a luz das velas não for suficiente, uma luz fraca sobre o ator.
Figurino: o ator deve vestir uma roupa de tons crus que dê a ilusão de que o seu corpo é todo deformado.
Cena: enquanto o ator fala, uma mulher vestida de vermelho vai apagando lentamente as velas. É necessário haver sincronia entre o apagar das velas e o texto falado. Quando o ator pronunciar a última palavra, a última vela deve ser apagada.

Mas o que espero? (pausa) O que espero é que oh o contato entre as mãos... o contato entre as mãos de crocodilo. Minhas mãos não mais as mesmas... Essa a meu lado não me entende. (pausa) Mesmo. (pausa) Outro dia... oh meus olhos... meus olhos. Vez em quando uma capa escura sobre meus olhos. Depois estrelas vermelhas, amarelas, azuis, verdes. Não devo pensar em nada. Nem é bom pensar agora. (pausa) Como estava dizendo. Fiz um convite. A imbecil pensou que queria matá-la. (pausa) Estúpida. Agora o que mais quero. Recuperasse os movimentos, primeira coisa. Naquele dia inda não. Só ir ao cinema. Apenas. Como? Não sei. Não posso ir ao cinema. Ou a lugar algum. Impossível. Saio daqui morto. Morto? Oh não oh não. De movimento só o barulho da rua. Sons de carros. Vozes distantes. Algum tempo atrás ainda raras saídas à praça. Sentado, sem quase movimento. Mas fora. Pelo menos. O vento, o sol, o calor... (pausa) o frio até. Pessoas. Pássaros. Ah o canto dos pássaros. Ler por algum tempo. Mas, do nada, a praça demolida. No lugar uma avenida. (pausa) Para onde tudo aquilo? O vento, o sol, o calor, o frio... Pessoas. Pássaros. E seus cantos. Todos enterrados. Carros atropelaram. Dia inteiro ouço o barulho dos motores. Esmagando tudo. Não fossem os carros apenas meu silêncio. (pausa) Carros. Transitando em meus pensamentos. Pensamentos... O que resta deles. Melhor dizer. Esmagando minha mente. Como rolo compressor. Sim. Ela ao lado. Sei que deseja meu fim. Em silêncio. E acha que quero matá-la. Não me disse nada. Mas sei. (pausa) Ela sim quer me matar. Aniquilar meus últimos dias. O que me resta. O pouco. O ínfimo. (longa pausa) Os carros que não param de transitar. Nem no silêncio da noite. Silêncio... Ruídos me rodeiam. Carros vem me atormentar. Ela sai de um carro preto. Toda de preto. O semblante sombrio. Armada. Espingarda, fuzil, metralhadora, sei lá. Tiros disparam. Em cadeia. O som ecoa. O carro some. Restando seu ronco. Ecoando. Os tiros. O ronco do motor. Maldição. Medo eu? Oh não! Sim? Ela acha. Certamente. Ela não diz. Nada. Mas sei. Sinto. Sei. Maldição!


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