segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Se a pintura morreu como quis a arte moderna, num caso extremo de matricídio ou parricídio, e como queriam seus detratores, a verdade é que ela já é a morta mais viva ou mais ressuscitada da história da arte. Desde os anos 80, quando era dada como morta e constatado seu óbito, estamos sempre assistindo, de maneiras mais ou menos brilhantes, à sua ressurreição ou seu eterno retorno. Egresso da geração 80 e membro do grupo Chelpa Ferro, o artista Luiz Zerbini com o specific site-instalação “paisagemnaturezamortaretrato” encena, em grande estilo, a “volta triunfal” da famosa e suposta morta-viva. Numa sala quase toda pintada de preto, exceto as colunas e as estruturas arquitetônicas pintadas de diversas cores, estão expostas três telas que reinterpretam aqueles três gêneros da pintura. Três gêneros clássicos que trouxeram fama e fortuna a grandes pintores da história da arte ocidental. Envoltas em negra atmosfera teatral, as telas são como três grandes janelas ou espelhos, de um tom prata quase plúmbeo, que podem refletir em sua quase opacidade, as (im)possibilidades da pintura contemporânea, assim como o estado precário e fugaz da arte. A primeira tela, à direita de quem entra, representa a natureza-morta. A iluminação está focada num crânio que repousa, enigmático, no chão à direita da tela. Na segunda tela, a iluminação foca o espectador. Na terceira tela a iluminação, difusa, amplia ou dilui o ambiente ressaltando as cores fortes das colunas e estruturas numa alusão à paisagem que aí, olha a ironia, não passa de uma confluência das faixas verticais e horizontais das colunas e estruturas da sala pintadas em tons saturados. Como no teatro e no cinema, a iluminação “dirige” o olhar do espectador, refletindo em cada tela o que está no foco. Sim, essas três telas não são uma natureza-morta, nem um retrato, nem uma paisagem. São a representação virtual desses gêneros. Essas três emblemáticas janelas ou espelhos, em sua antropofagia virtual, parecem querer engolfar quantas naturezas-mortas, quantos retratos e quantas paisagens aparecerem em sua frente. Vorazes, em seu misterioso silêncio metálico, essas telas encerram, virtualmente, todas as paisagens, todos os retratos e naturezas-mortas que já foram ou serão pintadas. O manto negro que as cerca se reveste ambiguamente de significações ora funéreas, ora uterinas. Será uma tumba, será um útero? Nascimento e morte convivem e se entrelaçam em movimento pendular nesse ambiente de grave solenidade não fossem as cores berrantes das colunas e estruturas arquitetônicas da sala que fazem contraponto ao negro reinante e que conferem certa atmosfera kitsch ao specific site-instalação. Em referência irônica ao neo-plasticismo de Mondrian, ecoa, num silêncio tumular, virtual trilha-sonora construtivista que com seu rigor ético e estético vêm nos avisar que nem tudo está perdido. Que sim, a grande falácia que se anunciou planeta afora, a tal morte da pintura, foi uma grande armação, mais uma das grandes mentiras que o século 20, em sua pretensão iconoclasta, nos pregou e que o século 21 pode estar enterrando. Em sofisticada metalinguagem e usando meios “estranhos” à pintura clássica, o specific site-instalação de Zerbini revigora a pintura e encena em chave ambivalente o renascimento ou a suposta morte desse meio primordial que alcançou seu ápice criativo no século 20 com a proliferação e o jogo infinito e virtual das linhas retas e curvas. A caveira no chão parece sorrir, zombeteira, evocando Shakespeare em movimento pendular, ecos fantasmagóricos da dúvida angustiada de Hamlet, “to be or not be, that’s the question”. O caráter tragicômico do trabalho nos arremessa a um palco que nos envolve e nos estimula a reagir a um estado letárgico do qual, parece, acabamos de sair. Talvez do purgatório da arte? Bem, a pintura não é mais a mesma. Como quem passou uma temporada no inferno (ou no céu, como queiram) ela, velha dama indigna, volta transfigurada com corpinho de jovem gamine, qual bonequinha de luxo vestida num dramático pretinho. Provocante, o trabalho de Zerbini não dá chance à passividade, aí não há lugar para a simples contemplação. Sim, a pintura é ou não é, está viva ou não está? O trabalho de Luiz Zerbini reafirma com alvissareira energia as ilimitadas possibilidades de um meio que, se depender da criatividade de artistas como ele, passa muito bem e não morre tão cedo.
Minha última pintura (detalhe), 2007
270 x 420 cm
foto: Luiz Zerbini



paisagemnaturezamortaretrato - Luiz Zerbini


De 3 de outubro a 16 de novembro de 2008
Terça a sexta, das 12 às 21h
Sábados, domingos e feriados, das 10 às 18h
Centro Universitário Maria Antonia
Rua Maria Antonia, 294 - Vila Buarque
São Paulo - SP
Tel.: 3255-7182
www.usp.br/mariantonia

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