1 comentários segunda-feira, 29 de setembro de 2008

o vento abre com violência uma das portas mas as outras permanecem fechadas o vento forte força as outras portas uma a uma aos poucos elas se abrem o vento abrupto entra pelas janelas escancaradas as pesadas cortinas são arremessadas para cima e para os lados o vento passeia soberano pelos corredores do hospital vazio as camas os aparelhos a recepção tudo está tão velho mas ainda nos seus lugares originais o vento visita quase simultaneamente todos os recintos do antigo hospital parece de alguma maneira que os doentes ainda estão lá com suas dores achaques e aflições os médicos preocupados abúlicos e angustiados os parentes amigos e outros tensos aflitos e angustiados enfermeiras e enfermeiros transitando apressados abúlicos ou angustiados vagando pelos corredores as paredes e o assoalho estão rachados plantas crescem pelas frestas e gretas portas e janelas velhas mas não o suficiente para deixarem de ser os brinquedos favoritos do vento ele se diverte altera sua intensidade e impacto sobre as portas e janelas como se estivesse treinando e exercitando o seu sopro os corredores são onde ele se sente mais livre e ao mesmo tempo preso como num jogo ele que está acostumado aos grandes espaços altera seu sentido e modulações ora em ondas ora em movimentos circulares como remoinhos em sentido vertical ou horizontal sempre mudando a intensidade desses fenômenos avança pelos corredores quartos e salas e outros recintos e cubículos do antigo hospital lambe toca e varre cada milímetro com a sua presença fluida arrebatadora ou arrasadora mesmo os muitos recintos do hospital são como canais artificiais onde ele pode brincar como uma criança num velho playground levantando o pó ou deslizar como uma serpente invisível a verdade é que ele sempre gostou do hospital desde que começou a ser construído suas linhas curvas e abruptos cortes retilíneos formam inesperados espaços labirínticos onde ainda ele é capaz de se surpreender passeia suave ou veloz sutil ou violento ele trabalha e burila seu ritmo como um músico com suas partituras durante a construção do hospital alguns operários sentiram algo diferente uma vívida atmosfera uma sensação indescritível desencadeada por inexplicável fenômeno muitas vezes as sensações experimentadas não eram das mais agradáveis uma atmosfera sutil e soturna de repente se sobrepunha à leveza cálida de um sopro suave um sopro áspero e gelado percorre os corredores do velho hospital uma frialdade súbita invade os ambientes hospitalares os caprichos do vento se impõem em austera atmosfera a luz vai aos poucos dando lugar a uma suave penumbra que vai se adensando todas as luzes do hospital se acendem o vento frio e áspero permanece arrepiando os sãos e os enfermos o mato cresce caótico sobre o assoalho do velho hospital nem o sol mais brilhante é capaz de descrever os detalhes ocultos e esquecidos por detrás da vegetação inculta que viceja detalhes ainda vívidos as sensações experimentadas pela passagem do vento os sãos e os doentes defrontados com a cálida vertigem de estarem vivos o mato cresce desordenado em todo o hospital algumas paredes estão caídas outras partidas ou com grandes frestas pilhas de tijolos e entulho em geral se acumulam em quase todos os recintos em escombros na penumbra uma mulher enferma acamada sonhava chegando em casa o marido os dois meninos pequenos o cachorro a casa tudo muito vívido em detalhes como sentir a pele macia do bebê ao beijá-lo o cachorro late muito ela se afasta e já está de volta ao hospital o mato cresce alto na velha construção em ruínas o vento cálido sobe lento as escadas ele vai se instalando em silêncio tocando suave em tudo as pessoas se sentiram aquecidas e consoladas o frio passou e doentes médicos enfermeiros parentes e amigos se alegraram com a volta do calor pássaros fazem seus ninhos nos arbustos mais altos besouros mosquitos moscas aranhas sapos rãs cobras ratos escorpiões baratas e outros bichos estão instalados há tempo foram chegando aos poucos primeiro os insetos um beija-flor penetra numa grande flor sai dela coberto de pólen o vento passa quente e sopra sobre suas delicadas penas repletas de pólen que se espalha por todas as direções o tempo quente o vento ausente as pessoas sentem o ar abafado e úmido a chuva se prenuncia mas apenas porque o calor aumentava e o ar pesava muita gente começou a passar mal principalmente crianças idosos e pacientes com problemas respiratórios os médicos e enfermeiros corriam atarantados para salvar o maior número de pessoas que pudessem era um clamor agonizantes muitas pessoas gritavam desesperadas pedidos lancinantes de socorro médicos e enfermeiros não eram suficientes para atender a todos os parentes e amigos faziam o que podiam sem muito sucesso depois de horas o alvoroço começou a diminuir eram muitos os mortos o desespero para salvar vidas deu lugar a outro: o da perda eram choros contidos mas tanta contenção desaguava não raro em espasmos histéricos e catárticos era um clamor a chuva chega com o seu frescor prenunciando uma frente fria que amenizou a atmosfera sufocante chove chove chove o sol brilha intenso o vento com rajadas esporádicas derruba algumas paredes já bastante fragilizadas as escadas sem apoio destruídas ou semi-destruídas levam a lugar nenhum que é para onde o vento vai as escadas em caracol que ficam na ala psiquiátrica foram interditadas a forte chuva e o vento quebraram um galho de uma árvore pra lá de centenária que caiu sobre a clarabóia de vidro ricamente ornamentada que ficava acima dessas escadas os pacientes permaneceram isolados mas assim não estava nada bom pra eles que dependentes de remédios e cuidados especiais precisavam com urgência de seus psicólogos psiquiatras e psicanalistas na impossibilidade de as escadas serem restauradas imediatamente eles não tiveram dúvidas e fizeram terezas e mesmo naquele temporal desceram pelas janelas ao encontro de seus médicos que os receberam com alegria o vento sopra sobre o capim alto que se dobra humilde com uma saudação pelas costas o sol incide sobre as penas verdes e azuis furta-cor dos beija-flores que voam de flor em flor a procura de néctar disputam ávidos as flores com abelhas e besouros e outros insetos e até morcegos noturnos as flores por sua vez disputam entre si a atenção e voracidade do maior número possível de espécies animais que seduzidas por suas formas cores e aromas muitas vezes apelativos vêm sugar seu néctar e saem besuntados de pólen que se espalhará com o vôo e o vento semeando suas espécies por outras paragens é um terreno irregular tem uma parte pantanosa lembrando a sua configuração original todo mundo achou estranho quando um médico rico empreendedor e megalomaníaco anunciou que tinha comprado uma grande propriedade num lugar isolado e pantanoso no meio de uma floresta com árvores mais ou menos baixas e de galhos retorcidos e que iria construir nesse lugar um grande hospital o maior de todos que pesquisasse e tratasse todas as doenças o mais bem aparelhado com os melhores especialistas em cada área da medicina o mais moderno e mais ousado o pântano foi totalmente drenado num ambicioso projeto de engenharia arquitetura e paisagismo foi um processo longo e exaustivo de pesquisa dos materiais e técnicas as mais modernas feito por arquitetos engenheiros e paisagistas dos mais destacados e arrojados em suas áreas os ecologistas começaram a organizar protestos contra a construção do hospital alegando que o lugar onde ia ser construído era área de proteção ambiental os protestos começaram tímidos e pacíficos com poucas pessoas mas em pouco tempo já eram centenas de militantes aguerridos dispostos a fazer qualquer coisa para impedir a construção do hospital foram necessários vários laudos emitidos por vários órgãos governamentais para aprovar a construção por causa das reivindicações das entidades ecológicas e da sociedade em geral que questionavam a legalidade da grande empreitada mas isso não foi o suficiente para aplacar os ânimos dos ecologistas que contra-atacaram alegando corrupção quando este argumento já não convencia mais eles apelaram para a imoralidade do governo em aprovar um projeto tão danoso ao meio-ambiente discutiu-se com fervor na internet TV rádio e jornais o que é imoral moral e seus limites dois anos depois de iniciadas todas as pesquisas de construção desde o projeto arquitetônico até materiais aparelhagem e infra-estrutura em geral foi iniciada a construção do grande hospital não sem alvoroço e comoção com milhares de ativistas jornalistas e fotógrafos do mundo todo policiamento ostensivo um vento fresco e suave sopra sobre o mato crescido e o capim-gordura uma coluna desmorona e com ela o teto com ornamentos como guirlandas douradas indiferentes ao barulho e ao pó o vento passa com delicadeza muito do que restou do hospital continua em pé a maioria das portas janelas e colunas mas o mato e as intempéries apressam a decrepitude da magnífica construção os dois anos seguintes ao início das obras foram difíceis o ímpeto dos ecologistas arrefeceu em quantidade e o número de manifestantes se reduziu muito mas como uma espécie de compensação seus métodos foram se tornando cada vez mais radicais e até mesmo terroristas a vigilância passou a ser rígida noite e dia devido às duas tentativas de sabotagem praticadas por ativistas disfarçados de operários os jardins foram construídos ao mesmo tempo que o hospital foram feitas pesquisas com espécies de plantas da região e de potencial ornamental a mata nativa interagia com o luxuriante jardim com espécies floríferas singelamente exuberantes e árvores frutíferas as cores berrantes das flores seus aromas fortes e apelativos aos insetos beija-flores e morcegos à procura do pólen que há em fartura as frutas doces e ácidas espalhavam seus odores também apelativos na já congestionada atmosfera de cheiros e sabores com a chuva a área alagada do terreno aumenta a água aos poucos vai ocupando o lugar que um dia foi seu aves aquáticas voltam a freqüentar e habitar o pântano ressuscitado jacarés reaparecem vindos de longe atraídos por comida farta parte da antiga construção já está sob as águas um homem caminha devagar pelos corredores do hospital a cada passo percorrido se regozija finalmente sua grande obra foi concluída com ela seu nome se inscreverá para sempre na posteridade suspira profundamente recebendo o vento quente e úmido na cara faz uma careta de desagrado esperava que o vento o recebesse menos árido e hostil respira mais fundo procurando algum fio de frescor na atmosfera abafada ultrapassa uma das portas laterais e ganha os magníficos jardins andando devagar através do labirinto de alamedas examinando algumas plantas sob a luz fulgurante da lua cheia observa um lago onde espreitam jacarés que se banham ao luar estranha a presença desses animais ali seriam parte do projeto paisagístico? inevitáveis como os pássaros insetos e outros animais de menor tamanho? dá de ombros intrigado com a presença dos rudes animais some pelos labirintos do grande jardim enquanto os jacarés descansam sob o luar nas águas cálidas do lago
Palavras em Transe - tela 6 (2007)
Acrílica s/ tela
250,0 cm (diâmetro)

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o vento sopra suave nesta madrugada na árida planície remana no planeta caveira tudo parece tranqüilo outrora não era assim nos seus cinco bilhões de anos o planeta já passou por grandes e radicais transformações a planície remana fica numa imensa cratera chamada remo o planeta já teve e tem incontáveis vulcões muitos ainda em atividade conseqüência de antiga e intensa atividade geológica agravada ainda pelo contínuo e impiedoso bombardeamento de meteoritos e asteróides que forma um relevo repleto de crateras visto do espaço sideral o planeta parece uma caveira humana razão que levou os cientistas a lhe batizarem com esse nome quando a atividade vulcânica diminuiu mas não se extinguiu a fertilidade do solo possibilitou o crescimento de uma densa floresta de samambaias de todos os tipos e tamanhos a floresta encobre em parte o acidentado relevo mas os profundos desníveis das gigantescas crateras vistas do alto não deixaram disfarçar os efeitos dos catastróficos bombardeamentos de meteoritos e asteróides muitos deles enormes samambaias de tamanhos medianos e pequenas crescem à sombra das gigantes a estrela ao redor da qual o planeta caveira orbita brilha intensa e bela em outras paragens há cânions tão profundos que não se pode ver além de cem metros são desfiladeiros sinuosos o olhar não consegue alcançar os imensos paredões de pedras cintilantes de tonalidades quentes vermelhos laranjas e amarelos não só ofuscam mas também impedem que se veja o que há depois de suas curvas radicais tanto no sentido horizontal quanto vertical o reflexo da luz da grande estrela sobre as rochas produz brilho intenso e cegante na grande depressão chamada alana tem um deserto de sal em tons de amarelo e roxo a luz do grande astro se reflete sôfrega sobre o sal as cores refulgem e confundem o sódio se erige em esculturas de tamanhos variados vazadas em formas agressivas esculpidas pela fúria dos ventos setentrionais são seres minerais que parecem observar o planeta e suas transformações impassíveis e hieráticos essas esculturas naturais estão em constante mutação à mercê dos caprichos dos ventos contraditórios que mudam de direção intensidade e velocidade de uma hora para outra em certas partes quase inacessíveis e extremamente desérticas há ossadas de antigos animais algumas espécies com medidas de apenas trinta centímetros e outras chegando aos trinta metros ou mais repousam milhares de esqueletos inteiros ou fragmentados com seus alvos ossos sob a luz intensa da grande estrela protegidos pela secura desértica que os conserva milênios a fio os esqueletos se acumulam por quilômetros brilham brancos à luz da grande estrela o grande cemitério natural não é só ao ar livre no subsolo jazem soterrados centenas de milhares de esqueletos mais que o dobro dos que descansam na superfície e bem mais antigos que esses são muitas as camadas de sedimentos que se sobrepõem por quilômetros subsolo adentro muitos esqueletos em perfeito estado outros quase completos e outros em diversos estados de fragmentação na superfície crânios separados dos esqueletos rolam nos campos vazios como bolas de futebol chutadas por jogadores invisíveis como num jogo fantasmagórico as caveiras em certos momentos até voam alçadas por um vento que para o planeta caveira pode ser considerado tranqüilo vai desabando a noite sob o céu estrelado o crepúsculo só dura de cinco a sete minutos nesta época do ano é verão o manto negro da noite veste esta parte do planeta observada pelos vários satélites naturais que o orbitam localizados a distâncias variadas uns mais afastados a maioria mais próximos brilhantes com o reflexo da grande estrela e vistos do planeta parecem lustres dourados de dimensões variadas os mais próximos gigantescos os mais distantes menores mas não só devido à distância é que quanto mais distantes sua massa é menor em relação aos satélites anteriores o brilho acachapante da grande estrela se reflete nos satélites mesmo nos mais distantes assim a noite nessa parte do planeta caveira está bastante iluminada o reflexo da intensa luz sobre as ossadas torna-as douradas em certos ossos o brilho é tão forte que chega a ofuscar sombras gigantes das ossadas se projetam fantasmagóricas no chão estes animais tão antigos de épocas recuadas no tempo ocuparam este planeta e alimentaram-se da floresta de samambaias gigantes mas o que teria causado sua extinção? suspeita-se que alguma repentina mudança climática possa ter causado um resfriamento planetário o qual causou a extinção das espécies vegetais adaptadas ao calor dos climas amenos e não aos rigores de um brusca queda climática cientistas especulam que durante milhões ou talvez bilhões de anos o planeta foi povoado não só por vertebrados de pequeno médio ou grande porte mas por milhares de formas de vida invertebrada fósseis dessas espécies têm sido encontrados corroborando essa teoria a extinção em massa não aconteceu para todas as espécies tanto animais quanto vegetais simultaneamente ao repentino resfriamento de acordo com registros fósseis enquanto a maioria das formas de vida principalmente as de médio e grande porte sucumbia à mudança do clima e suas baixas temperaturas algumas espécies menores incluindo as unicelulares tentaram se adaptar ao frio mas as baixas temperaturas se por algum tempo se estabilizavam de repente voltavam a cair obrigando as espécies sobreviventes a constantes esforços biológicos e evolutivos ao longo de milhares de anos a era glacial foi se acirrando as espécies remanescentes aos poucos foram sucumbindo cansadas de tanta mudança climática brusca assim o planeta permaneceu por milhões de anos até que aconteceu outra mudança repentina e radical: o aquecimento progressivo do planeta antes coberto de gelo desde os pólos até quase a linha que o divide ao meio a mudança foi tão grande que o gelo todo derreteu em sete anos o planeta então virou um grande oceano mas o aquecimento progredia tão inclemente que em setenta anos o mar inteiro secou não houve tempo suficiente para que se desenvolvesse qualquer forma de vida a água toda evaporou mas ninguém sabe em detalhes o que aconteceu apenas que houve um superaquecimento planetário noutra parte do planeta conchas de formatos e tamanhos variados povoam com infinitos tons de branco à luz da grande estrela os vastos campos áridos da enorme planície sywana também situada dentro de uma enorme cratera as conchas se espalham aos milhares abandonadas ao torpor árido do deserto não sopra vento algum moluscos gigantes apodrecem sob o calor escaldante da grande estrela o fedor se alastra por quilômetros atraindo espécies carniceiras a carne dos moluscos exala uma fumaça fedorenta que faz a delícia das bestas são seres alados de chifres retos verticais com olhos esbugalhados e focinhos de cachorro pitbull com asas que podem alcançar dez metros de envergadura aos milhares banqueteiam-se com a carne podre dos moluscos a presença maciça de conchas a ausência de ventos a modorra de uma atmosfera abafada não há qualquer remoto sinal de que outrora houve conflitos aí pois esses estão enterrados ou fossilizados ou no máximo só restam seus esqueletos abandonados e dispersos nos espaços estéreis de um planeta remoto afora a calma a serenidade e o silêncio os indícios de conflitos não são mais do que atestados do seu fim toneladas de conflitos descansam em paz sepultados nos abismos do silêncio e do olvido o vento sopra quente e impiedoso sua fúria presenciou a longa permanência de formas de vida simples e complexas que se extinguiram e deram lugar a outras formas de vida mais capazes ou apenas sortudas o vento teria colaborado com a extinção da vida no planeta? não os ventos são testemunhas do ciclo da vida as coisas expostas a ele podem se deteriorar mais rapidamente mas isso é parte da dinâmica que sua existência prevê para além da imprecisa presença dos ventos os mesmos elementos que proporcionam a vida trazem no seu bojo a morte as samambaias gigantes se curvam com o vento quente setentrional a floresta de samambaias tem infinitos matizes de verde no nível superior onde estão as espécies mais antigas que podem chegar a dois mil anos e a trinta metros de altura as tonalidades são mais escuras com incontáveis tons e subtons uma grande diversidade de espécies animais habita cada nível e cada um deles possui uma grande variedade de espécies de samambaias cada espécie tem um subtom de verde diferente existem tantos subtons quanto a quantidade de espécies conforme os níveis vão ficando mais próximos do sol os tons escurecem e com as sombras as espécies dos níveis mais baixos e próximos do solo têm tons de verde mais claros chegando em algumas espécies a um verde próximo do branco animais de diversas estaturas desde os gigantes até os de menor porte devoram os brotos as samambaias emitem estranhos sons de dor gemem não só as que estão sendo devoradas mas todas de todos os níveis tons e subtons é um clamor geral os animais se assustam nem todos pois algumas espécies já têm a audição adaptada a essa defesa das samambaias mas a maioria ainda se alvoroça causando um alarido ensurdecedor o gemido das samambaias se mistura aos urros uivos grasnidos pios miados rugidos e todo tipo de ruído de susto animal depois de muito tempo de repente como num truque de mágica essa babel sonora animal e vegetal se esvai como se o vento a levasse

Palavras em Transe - tela 4 (2007)
Acrílica s/ tela
219,0 cm (diâmetro)

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foi uma explosão realmente gigantesca a primeira dentre uma sucessão de tantas e constantes explosões que já vinham ocorrendo há bilhões de anos o início de uma série interminável de explosões diferentes de todas as que habitualmente aconteciam desde a mais remota uma explosão sem testemunhas explosões nunca foram raridade no multiverso mas como já disse essa era diferente quando digo isto porque neste exato momento seu som e sua energia invadem meu corpo meus sentidos são determinados por ela numa descarga que me chacoalha me enfraquece e me fortalece ao mesmo tempo o brilho distante de uma misteriosa explosão chega até mim intercepta o meu ser e me sacode no escuro e no vazio de onde não tenho medo de ser jogado nem de sair um som insistente e infinito me domina e tento reproduzi-lo criando músicas que elaboro em detalhes em minha mente são tantas e infinitas que apenas algumas eu canto mas sempre tenho a sensação de que se trata da mesma música em infinitas versões o tic-tac do meu coração marca o compasso dessa música infinita e multiversa a explosão ecoa em mim através dos meus batimentos cardíacos uma bateria harmônica e pontual movida a sangue que é movido pela respiração oxigênio não foi mesmo uma explosão normal aquela e as que se seguiram foram semelhantes com ligeiras diferenças um tipo particular de explosão uma repercussão diferente um som poderoso mas sutil um vento estranho que penetra os ouvidos e os poros vai para o coração e o purifica fazendo-o produzir sangue novo invade com fúria a corrente sanguínea domina o corpo que reage com alegria vibra e percute como um tambor um som quente que reverbera nas mínimas partículas do corpo que se abre com prazer os corpos vêm desenvolvendo ao longo de milhares de anos mecanismos cada vez mais sofisticados que visam melhor absorver os ecos da explosão o design voluptuoso que reforça a dinâmica vital da grande explosão e suas ondas sonoras de diferentes tons volumes e dimensões gases espessos ofuscantes tons fúcsias grande parte do planeta é composta de centenas de camadas do mesmo gás em espessuras e consistências diferentes cada uma dessas camadas tem distintos mas sutis subtons de fúcsia com um pequeno núcleo rochoso o planeta inteiro é dominado por gases de diferentes cores e nuances principalmente as quentes ao longo de alguns bilhões de anos gases vindos e produzidos inicialmente a partir de uma estrela gigantesca ao redor da qual o planeta orbita começaram a se acumular ao redor do seu núcleo moléculas desses gases se fundiram em milhões de anos dando origem a outros gases mais densos e pesados devido à proximidade com a estrela o planeta é muitíssimo quente chegando a impressionantes seiscentos graus centígrados quando a órbita do planeta atinge seu ponto máximo de proximidade com a grande estrela as cores dos gases que compõem a densa atmosfera todas as cores quentes vermelho laranja e amarelo seus tons e subtons brilham intensamente reflexo da luz da estrela que reverbera implacável ventos varrem várias partes do planeta os gases com suas cores e nuances se mesclam sem parar por vezes parte da atmosfera pega fogo esse fantástico fenômeno acontece quando por causa dos fortes ventos se misturam alguns gases inflamáveis de diversos tipos nomes e consistências e suas cores tons e subtons focos de fogo se alastram se reencontram vindos de todas as direções o fogo se espalha em algumas partes desde a superfície do núcleo passando pela baixa atmosfera e suas trinta e duas camadas chega à média atmosfera e suas vinte camadas até atingir a alta atmosfera com setenta e sete camadas todas as camadas possuem inúmeras subcamadas que possuem cores definidas em geral quentes e nuances vistas de longe ou em uma média aproximação é possível discernir as subcamadas com seus infinitos tons e subtons há vários vulcões no núcleo não tão pequenos em relação à massa do núcleo esses vulcões expelem uma densa fumaça preta que se mistura aos gases da atmosfera sim o núcleo é altamente concentrado de partes de ouro prata berílio e cobalto numa parte mais interior do núcleo oeste metais estão em estado líquido a atividade vulcânica não chega a ser intensa mas é constante têm vulcões que expelem apenas um metal ou dois metais com quantidades variadas de cada um deles ou outros três metais também com quantidades variadas separados ou misturados e outros vulcões expelem os quatro metais ouro prata berílio e cobalto rochas recobertas de ouro prata berílio e cobalto compõem a parte externa do núcleo do planeta em certas ocasiões em qualquer lugar aquela quantidade absurda de gases pode se dissipar e a luz do sol incide sobre os metais que como espelhos refletem o brilho impactante da grande estrela e devolvem um facho de luz ao espaço sideral meteoros de todos os tipos caíram e caem lá com muita freqüência a superfície é cheia de crateras o solo em partes do planeta é composto de finas camadas de fina areia cintilante algumas dessas camadas são compostas pelos quatro metais do interior do núcleo ouro prata berílio e cobalto asteróides de diversos tamanhos caem também no planeta em alguns lugares com regularidade maior motivo de as areias daí serem mais finas que em outros lugares o impacto da queda de meteoritos e asteróides afina cada vez mais as areias além disso acrescenta metais como ferro cobre e outros bombardeios constantes têm acrescentado massa ao planeta que tem muitos satélites naturais são cerca de vinte cada um com diferentes características o satélite mais próximo chamado remo parece que tem em sua superfície enormes chaminés naturais que se elevam chegando a atingir alturas de cinco mil metros aproximadamente do seu topo essas chaminés expelem uma fumaça constante de cores e tons variáveis que tem grande parte das vezes um tom verde ou amarelo fluorescente o qual suspeita-se pode ser enxofre os tons vão mudando lentamente do verde fluorescente ao verde mais escuro que vai se acinzentando até chegar ao verde cinza indo a um tom azulado também acinzentado aos poucos o cinza se dissipa dando lugar de início ao azul claro que aos poucos se intensifica até chegar a um tom próximo ao do turquesa a permanência dessas cores e tons é variável depende muito dos movimentos dos materiais que compõem as camadas mais internas do núcleo do satélite que dizem ser composto de muitos metais e rochas diferentes mas ninguém sabe quais exceto ferro segundo o consenso de pesquisadores do azul turquesa a fumaça que sai das chaminés pode se converter em roxo depois em vermelho depois em laranja depois em amarelo depois em verde e assim por diante eu disse lá atrás que pode se converter mas não necessariamente este seria o processo previsível da mudança gradativa das cores da fumaça mas do azul turquesa ela pode mudar lentamente para um tom vermelho por exemplo já disse é um fenômeno lento como tudo neste satélite imprevisível pergunta-se: como surgiram as chaminés e de que material são construídas? ninguém sabe segundo os estudiosos são chaminés naturais uma característica marcante do satélite um padrão trabalhado pela natureza sim são expelidoras de gases mas não são vulcões não expelem poeira nem magma só fumaça pura fumaça não é o que pensam esotéricos astrólogos curiosos e o povo em geral entre eles disseminou-se a lenda de que as chaminés foram construídas por uma civilização já extinta mas há divergências outros dizem que há uma civilização sim mas subterrânea e que as chaminés são apenas a parte visível de um complexo sistema de saída de gases venenosos alguns replicam dizendo que a superfície já é quente o que se dirá do subsolo eles respondem que o sistema não só o protege dos gases tóxicos mas também sintetiza oxigênio a partir de raras moléculas d’água trazidas da superfície que em tempos remotos foi menos hostil e mais aprazível havia uma população de bilhões de habitantes mas houve um repentino revertério natural no satélite gases tóxicos antes eram expelidos por grandes dutos naturais em regiões isoladas do satélite que começaram a se tornar buracos em todas as partes os gases que saíam deles mataram muita gente foi uma catástrofe natural sem precedentes na história de remo a mortandade foi geral ou quase só sobraram poucos indivíduos da espécie mais capazes de sobreviver à nova realidade segundo os adeptos desta teoria esses sobreviventes habitam agora os subterrâneos de remo não há qualquer evidência que sustente essa teoria não há provas científicas é como antigamente se acreditava em marcianos ironizam os cientistas ainda não é possível tirar provas conclusivas da existência das chaminés não houve nem há planos de se concretizar uma missão espacial para explorar remo não por causa de limitações da ciência se dependesse dos cientistas várias missões já teriam sido enviadas para lá o problema é dinheiro mas até onde os pesquisadores sabem as grandes torres que se assemelham a chaminés são formações naturais que expelem muitos gases é muito difícil para os cientistas discernirem com exatidão o que há por trás daquela bruma felizmente ajudados ao acaso pela fúria dos fortes ventos que assolam o satélite que criam clareiras os potentes telescópios apontados para detectar a presença dessas majestosas torres naturais que não são vulcões frisam os especialistas já puderam vislumbrar alguma coisa mas não o suficiente pois a fumaça expelida pelos vulcões vem rápido preencher o vazio das clareiras persistindo assim o mistério as chaminés resistem ao tempo parecem eternas os ventos e as tempestades se sucedem mas as chaminés resistem soltando fumaça colorida o material de que são feitas as torres ninguém sabe ao certo alguns supõem que podem ser de pedra outros acham que podem ser de metal quase puro a superfície das paredes parece irregular mas outros pesquisadores opinam que podem ser de um material orgânico alguns acrescentam que podem ser seres vivos as grandes edificações resistem misteriosas e insondáveis protegidas pelas espessas brumas como suas guardiãs
Palavras em Transe - tela 3 (2007)
Acrílica s/ tela
250,0 cm (diâmetro)

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o vento sopra seco e quente é o único som que se poderia ouvir nestas áreas ermas desertos não precisam de tantos sons auto-suficientes em seu quase silêncio os desertos absorvem e abafam qualquer movimento ou qualquer ruído contêm virtualmente todas as coisas encerram a algazarra primordial os desertos não são túmulos nem ralos por onde se escoa a existência são lugares onde vidas se entrechocam e se justapõem em sua fugacidade e relativa relevância o transitório e o eterno não apenas inexistem não se pode cogitar deserto: entidade intransitiva as formas se desmaterializam se diluem para se somarem aos outros corpos e existências que jazem em virtuais camadas livres da ostentação da forma do barulho inerente a elas não é a paz eterna o que as formas alcançaram suas existências mais ruidosas do que nunca emitem um som cristalino transparente que transpassa como um punhal o tempo e todas as coisas a história com sua histeria pertence ao império dos corpos solitários o ruído que vem dos lugares povoados transmite a solidão dos seres em movimento o atrito e o barulho que cada corpo ou objeto emite aprofundam o vazio a solidão dos desertos corre tranqüila mesmo com o vento forte e as tempestades de areia que duram horas ou dias ventanias que reconfiguram a mínima paisagem as dunas se deslocam tanto faz o deserto continua as florestas tropicais com maior e mais variada quantidade de eventos têm sistema próprio de funcionamento e dinâmica como qualquer barulho da terra número e variedade de eventos naturais diferencia um ruído de outro a diversidade animal e vegetal cria dinâmica própria encadeando menor ou maior quantidade de sons pode-se definir solidão como um estado em que há quase ausência de ruídos? o vento sopra veemente seus uivos ecoam ao longo do desfiladeiro que se ergue gigantesco e se espalha pleno com rochas de tons de vermelho- alaranjado com grandes interrupções de azul escuro em que há espessos filamentos azuis- turquesa e pretos as grandes partes vermelho-alaranjadas têm largos filetes vermelho-sangue e manchas amarelo-ouro o desfiladeiro é um corredor onde o vento brinca às vezes uivando outras soprando em descontrole e outras calmo suave o frescor se espalha em toda a extensão do desfiladeiro mas do nada o ar se torna ausente instaura-se uma atmosfera abafada e pesada o sol derrama sua luz e seu calor exala um bafejo cálido sobre as rochas intensificando suas cores a luz reverbera de um lado a outro como numa sala de espelhos o brilho ofuscante do sol sobre as rochas só é interrompido pela chuva ou mesmo uma tempestade que torna o imenso corredor um violento rio caudaloso de águas tresloucadas que correm para um lugar subterrâneo uma passagem bem abaixo de uma caverna povoada por longas estalactites e estalagmites em seus inúmeros recintos que vão dar em outros através de precárias e exíguas passagens salas às vezes iluminadas com filigranas da forte luz solar vespertina que penetra por fendas sinuosas seu reflexo num lago de águas transparentes produz efeitos de tons azuis que vão do turquesa ao marinho as estalactites enfeitam o teto como belos lustres de cristal sua transparência se funde à água os minerais em líquida e sólida condição se espelham sob a tênue iluminação o lago é tão cristalino que se pode ver da superfície as ossadas brancas de animais que viveram há milhares de anos tigres dente-de-sabre preguiças serpentes mamutes e outros animais antigos jazem em seu gigantismo fóssil no fundo do lago silêncio fios d’água por entre as frestas das pedras descem suavemente um leve som líquido escorrendo uma microcascata é a única coisa que se ouve o solo abaixo do desfiladeiro é macio a superfície composta por uma camada de areia argilosa não muito espessa de tons de vermelho e amarelo-alaranjado o vento murmura sons ora graves ora agudos que penetram por imperceptíveis fendas buracos e outras reentrâncias o ar quente varre e se espalha corredor afora o vento quente pronuncia sons agudos ou agudíssimos com suas cores e nuances voláteis que se diluem e se misturam com velocidade como num rio são vozes fluidas que deslizam pelas rochas esculpindo formas minerais insólitas e únicas ao longo do corredor há muitas cavernas algumas profundas todas muito antigas com galerias em profusão estalagmites e estalactites lagos cristalinos com brancos ossos de animais antigos depositados em seus leitos num escuro e cristalino silêncio que nem um pequeno sopro de vento vem quebrar um silêncio de museu antigo e fossilizado límpida representação remota do isolamento que parece anteceder o próprio silêncio a transparência da água se reflete no teto e nas paredes da caverna as estalactites e estalagmites decoram os muitos recintos da grande caverna paira um silêncio duro de mármore frágil em sua existência milenar arquiteto das sólidas e delicadas estruturas estalactites de cristal de tamanhos variados penduram-se no teto transparentes ofuscantes algumas delas atingem a superfície do lago um olhar demorado sobre esse ambiente passearia por cada mínimo detalhe cada pequena reentrância cada efeito do reflexo dos cristais na água a transparência se justapondo sólida e líquida em recintos com dimensões e formas várias mas será a caverna infinita? apesar de sua imensidão e quantidade de galerias ela é finita mas se alguém entrasse nela certamente não sairia mais perder-se-ia em sua labiríntica e repetitiva arquitetura transparente estalagmites e estalactites formadas com a lentidão dos segundos minutos horas dias meses anos décadas séculos milênios mudos por pingos dourados que dominam os extensos ambientes da caverna olho nenhum jamais viu ou verá esses recintos espessas e irregulares lanças de ouro que crescem com lentidão milenar proliferam às centenas ou quem sabe milhares por intermináveis galerias o ouro se reflete em cristalinos lagos subterrâneos a luz do sol penetra às vezes sinuosa às vezes direta por pequenas frestas fios de raios de sol somam-se ao brilho ofuscante que domina os imensos recintos da caverna em sua finita sinuosidade labiríntica ossos alvos de antigos animais misturam-se nas límpidas águas dos inúmeros salões ossos de diferentes antiguidades os quais formam seres virtuais figuras anacrônicas e bizarras o tempo se perde e se encontra em mistura caótica e atemporal todos os segundos todas as horas todos os dias todas as semanas todos os meses todos os anos todos os decênios todos os séculos todos os milênios o tempo se dilacera e se recompõe a todo instante as coisas belas ou feias se fundem e se reconfiguram no tempo ínfimo e volátil do silêncio ruidoso os ossos do tempo se recompõem e se diluem nos sedimentos arenosos que se depositam no fundo do lago mas vêm à tona de tempos em tempos os ciclos se entrelaçam e forma nós que imediatamente se desatam os reflexos das estalactites na água transparente completam o quebra-cabeça infinito estalactites e estalagmites: ossos em formação e esqueletos das cavernas os ossos que se diluem no fundo do lago se recompõem nas estalactites e estalagmites desenhos que distintos se repetem e se refletem uma caverna-edifício com andares e apartamentos diferentes mas que compõem complexo sistema de interdependência lanças penduricalhos atemporais pregos que se desmancham e se transformam em cristais alquimias pregos lanças lustres luzeiros na escuridão luminosa recôndita onde o tempo se esconde os ossos vão e voltam do fundo à superfície voltam e vão em movimento ciclotímico vaivém que embranquece os ossos cada vez mais até atingirem a transparência e se diluirem por completo só o tempo parece penetrar pelas gretas da sólida rocha e flutua observando o lento crescimento e envelhecimento da caverna outrora um terremoto quase a destruiu mas as catástrofes não existem só para destruir mas para recompor ou rearranjar as coisas é uma maneira bruta ou brusca da natureza se recriar ninguém sabe mais de si do que ela própria os tortuosos desígnios naturais se concretizam com a magnitude de uma catástrofe e depois a lenta construção repovoamento e reposicionamento o tempo observa paciente aguardando que a natureza em seu lento trabalho multiplique e distribua pródiga a sua matemática sabedoria no aparente silêncio em que jaz a caverna ressoam os ruídos ensurdecedores do cataclismo que quase a destruiu o tempo flutua como se a lembrasse e a onipresença do silêncio denunciasse que em eras remotas ali houve muito barulho cada detalhe que compõe a caverna lembra rumorosos eventos os ossos alvos depositados no fundo do lago não são sombras mortas ou resquícios de um glorioso passado repleto de enérgicos movimentos mas rememoram tudo que já foram ou passaram conservam sua beleza e elegância que resplandece nas trevas sua memória permanecerá inalterada mesmo se um dia esses ossos se diluírem na límpida água azulada então passam a ser parte da grande memória universal poeira de lembranças que se mistura a outras memórias já mineralizadas as rochas acumulam recordações primordiais elas são testemunhas ou o resultado das tensões fraturas e rupturas da natureza elas nascem crescem ou morrem com essas tensões os ventos fustigam ou modelam os formatos das rochas as quais presenciam ou protagonizam as cenas essenciais e espetaculares da natureza elas são grandes atrizes que exibem suas formas sinuosas e sensuais carregam em sua composição e forma os eventos naturais e as infinitas possibilidades que resultam deles a recombinação dos elementos propicia a criação incessante de novas rochas o magma se espalha pelo solo fértil e coberto de mato a lava arrasa tudo que encontra queimando e calcinando a vegetação e o solo o material incandescente se arrasta na mata o fogo se alastra a lava avança como um rio em chamas o magma brilha com suas cores quentes se justapondo ao verde que sucumbe resignado à fúria do vulcão a poeira vulcânica se alastra rapidamente com o auxílio dos ventos se estendendo a quilômetros de distância a espessa nuvem de poeira e fumaça sufoca qualquer ser vivo que tenha escapado da sanha incendiária do magma o céu antes decorado de um azul claro mas intenso quase turquesa de tão luminoso tinge-se agora de um negro azulado os ventos furiosos varrem a terra a centenas de quilômetros por hora o véu negro cobre o céu rasgado a curtos intervalos por luminosos raios que sem piedade penetram em gigantescas árvores dividindo-as ao meio e cavando em seguida grandes buracos no solo o fogo vindo do céu e o fogo das entranhas da terra se funde e fustiga a floresta acuada que sucumbe com seus infinitos tons de verde sendo transformados num amálgama do mais intenso vermelho do mais intenso laranja do mais intenso amarelo para depois ser convertida em enorme massa disforme completamente negra grossas gotas de chuva caem sobre o barulho ensurdecedor dos trovões o vulcão continua a expelir grande quantidade de material incandescente que não se apaga com a chuva tão facilmente o negrume no céu também não se dissipa ao contrário tende a se espalhar cada vez mais outros vulcões entram em atividade num efeito natural em cadeia um longo tempo se passa com vulcanismos tempestades e a mais completa escuridão o brilho do sol dificilmente poderia ultrapassar a espessa camada de poeira preta o frio vento que vem do norte suaviza as altas temperaturas provocadas pelo magma em excesso chove ininterruptamente durante incontáveis dias ou meses ou anos o tempo parece ter esquecido de se contar ou de se espelhar tudo acontece como se ele fosse uma malha elástica que se estica ao infinito o tempo avisa que não se conta nós é quem o contamos para dele nos apropriarmos como a qualquer objeto chove chove chove ou talvez fosse mais apropriado dizer que as hidrelétricas do céu abriram suas comportas sem qualquer prazo determinado para serem fechadas a chuva intensa cava sulcos profundos na terra a água se mistura ao solo formando um caldo negro que atropela as grandes porções de floresta fechada ainda não atingidas a lama negra avança derrubando árvores de todos os tamanhos e soterrando a vegetação rasteira os ruídos do mato pegando fogo quase conseguem abafar o sopro do vento setentrional o quente e o frio se encontram se abraçam e se fundem a fumaça negra levada pelo vento a lugares distantes prenuncia um iminente e maior cataclismo rios caudalosos de lama negra inundam e arrasam as terras férteis e verdes ondas gigantescas se erguem como paredões de água azulada em alto-mar abaixo dele as placas tectônicas procuram se acomodar em disputa por espaço a justaposição e o entrechoque dessas rochas gigantescas têm efeito espetacular as placas não cessam de se atritar as vagas enormes se sucedem num movimento rápido e violento em direção à costa essas grandes ondas verde-azuladas avançam ganhando alturas de cem a cento e cinqüenta metros enquanto novas ondas igualmente gigantescas são formadas em alto-mar já perto da praia a grande marola verde-azulada se mistura à areia adquirindo tonalidades marrom claras as águas do mar em revolução se mesclam com a lama negra e incandescente que desce furiosa e quente das terras montanhosas o magma avança sobre as águas do mar revolto o fogo e a água têm encontro radical num embate ferrenho dos elementos o fogo sucumbe se apagando depois de realizar bela e incendiária performance já apaziguado se permite ser apagado com veemência pelas águas revoltas do oceano com o choque das placas tectônicas um vulcão em alto-mar entra em erupção em instantes o magma penetra a água como um jato incandescente corpo estranho em mundo líquido chega à superfície e se projeta a metros de altura deslocando em sentido vertical uma grande massa de água que revolta forma outro conjunto de grande ondas que se dirigirão à costa devastando ilhas avançando ainda mais continente adentro a quilômetros da praia uma grande nuvem de fumaça negra se espalha magma e água se fundem uma massa negra de lava vai se erguendo em alto-mar como um tosco tótem num punhado de milênios depois de inúmeras e violentas erupções nasce uma ilha vulcânica que com o tempo é fertilizada pelos portadores de sementes com suas fezes pássaros insetos e o vento carregados de pólen povoam de plantas floríferas os vastos terrenos férteis de material vulcânico grandes áreas continentais encostas e planícies soterradas pela lama negra com o tempo são repovoadas por animais alados seres do vento que trazem consigo as cápsulas da vida as sementes resíduos de sua dieta envoltas em bosta bombinhas que explodem em formas vegetais de infinitas tonalidades de verde flores de infinitas formas cores e tonalidades berrantes em meio a uma caótica sinfonia polifônica de cantos vozes e ruídos em risonho caos criador camadas de sons e cores que se justapõem se chocam se combinam e se fundem uma aranha tece o primeiro fio de sua teia fonte de alimentação armadilha e morada tecido o primeiro fio num galho qualquer ela espera paciente que o acaso com o auxílio do vento leve a outra extremidade do fio a se fixar em outro galho só então ela começa a construir meticulosa sua teia fina e forte estrutura quase invisível não fosse o reflexo dos raios de sol sobre os delicados mas resistentes fios sua condição quase invisível é a garantia da sobrevivência de sua construtora reforçada pela complexidade e perfeição da arquitetura dessa obra simples e magnífica concluída a construção da teia só resta à aranha esperar não suas vítimas ela não é uma assassina mas apenas seus alimentos ela espera e espreita silenciosa observada apenas pelo sol os fios brilham cintilantes e iridescentes com a luz já intensa da manhã uma mosca incauta voa veloz em seu primeiro passeio matinal depois de uma fresca noite de bons sonhos cheio de energia o inseto plana suave sobre a relva alta com infinitas nuances de verde o violento sol estival banha o dia e se reflete nas delicadas asas furta-cor em tons metálicos de verde azul e vermelho ao som transparente e metálico das cigarras que hipnotiza os campos e se mescla ao chacoalhar do vento sobre as árvores arbustos e vegetação rasteira abelhas besouros e beija-flores em abundância se lambuzam do néctar das flores espalhando pólen no ar o fecundo pó amarelo cai suavemente sobre a relva para penetrar em seguida no fofo e fértil solo as flores com suas cores gritantes e suas formas sensuais competem numa disputa selvagem para atrair o maior número possível de seres exalam seus fortes perfumes lançando suas armas na desenfreada competição para perpetuar suas espécies um amálgama de fortes aromas flutua no ar amarelado de pólen a mosca voa faz pequenas acrobacias e graciosos volteios num microbalé aéreo mas ao ousar uma manobra mais arriscada suas ágeis asas se engancham na quase invisível e mortal teia ela se debate tentando se livrar dos poderosos fios que a prendem em desespero ela tenta se soltar uma duas três vezes em vão a aranha desloca-se rápida em direção à mosca já resignada a sua triste sina bem próxima a presa a aranha ainda pára inesperada contemplando-a impassível em seus últimos momentos mas ligeira começa a envolver a desgraçada mosca no mais resistente fio que é capaz de fabricar em pouco tempo o que era a mosca parece um casulo ou uma múmia pequenina que a aranha deixa pendurada na teia como um adorno ou troféu o primeiro de uma coleção infinita outros insetos em breve irão se somar a essa coleção reserva de alimentos para um banquete inesquecível e provisão para tempos difíceis com o futuro imediato assegurado ela volta a seu posto para observar com a frieza que está inscrita em seu dna a lenta morte de outras presas nos delicados fios de sua teia uma fresta de luz penetra a escuridão da caverna como uma fina espada dourada que corta a carne densa de um corpo em agonia o brilho metálico se reflete no lago que há no meio da caverna ao seu redor forma-se uma moldura azul profundo brilhante no meio do lago tudo é negro a água passa por uma fina fenda que leva a uma galeria maior ainda onde há um lago muito maior e mais profundo aí habitam seres dos mais estranhos como o voraz e onívoro peixe de três cabeças cujos pescoços se prolongam quando está caçando seus seis potentes olhos têm um mecanismo semelhante ao raio-x ele se esconde com freqüência atrás de rochas e fica à espreita grande comprido e escuro se arremessa sobre suas presas em velocidade estonteante como lança mortal o que favorece seu excelente desempenho de grande predador apesar de comprido é ágil e flexível porque cartilaginoso como os tubarões possui dentes afiadíssimos solitário só se junta em bandos na época do acasalamento vivíparo a fêmea pare apenas um filhote a cada gestação não tem predadores ou inimigos o tixo pequeno peixe transparente tem olhos também transparentes que se projetam longe à procura de pequenos crustáceos igualmente transparentes distantes de seu dono os olhos desses peixes muitas vezes são devorados pelo peixe-de-três cabeças mas felizmente a evolução dotou o tixo com a capacidade de regeneração dos olhos uma das vítimas preferidas dele o peixe-sapo que tem o hábito de nadar pulando possui coloração esverdeada e quando ameaçado suas cores se intensificam adquirindo um tom de verde fluorescente capaz de ofuscar seus predadores e deixá-los cegos por minutos tempo necessário para fugir o peixe-flecha é conforme o nome sugere revestido por uma pele com finas pontas transparentes lembra o porco-espinho mas essas pontas muito venenosas têm sensores que detectam a presença de predadores e presas por todos os lados antes que ele os veja os pequenos peixes-formiga que vivem e caçam em grandes colônias possuem uma organização social semelhante à das formigas abelhas e cupins são também transparentes possuem antenas curtas que têm a função de comunicar e detectar alimentos elas avisam através de ondas coloridas azuis quando devem prestar atenção amarelas quando encontram alimento vermelhas quando devem atacar esses três sinais são suficientes para desenvolverem um complexo sistema de comunicação que se baseia nas cores e na distância que as ondas percorrem o remugo pequeno crustáceo semelhante ao camarão possui a estranha capacidade de mudar de cor e forma quando através das suas sensíveis antenas detecta a presença de estranhos se metamorfoseia de lagarto-aquático-da-caverna venenoso e temível personagem que inventou para si como auto-proteção o qual nenhum ser que habita o lago desconfia se tratar de um eficiente disfarce desse inofensivo camarão o peixe-morcego é também transparente com tons alaranjados veloz na água quando ameaçado parece voar anfíbio seu vôo se prolonga para o ar como os morcegos orienta-se através de uma espécie de radar que capta os sons emitidos pela ressonância nos objetos suas asas-barbatanas têm o formato semelhante às asas dos morcegos quando está fora da água aloja-se no teto da caverna disputando lugar com os morcegos normais sendo muitas vezes devorado por eles devido a sua condição anfíbia paga o preço de ser predado tanto na água quanto no ar ao contrário do que talvez previa seu processo evolutivo o caranguejo-pintor para se defender de seus predadores exala uma tinta amarelo fluorescente capaz de deixá-los tontos por alguns minutos indivíduos de um de seus predadores os peixes-de-três-cabeças perceberam que se expelido em pequenas quantidades esse líquido tem bom efeito alucinógeno motivo de stress ao caranguejo-pintor pois eles aparecem apenas para que aquele solte e desperdice sua preciosa arma o polvo-de-dezesseis-pernas é também transparente e predador do caranguejo-pintor ejeta um líquido que anula o efeito alucinógeno da tinta expelida por aquele o peixe-faxineiro se alimenta limpando tudo que encontra mas prefere limpar os ossos dos animais antigos depositados no fundo do lago devora os fungos aquáticos e todo tipo de sujeira quando os ossos estão resplandescentes de tão brancos vai limpar as pedras que ficam igualmente brancas e brilhantes quando termina se não estiver satisfeito vai limpar os dentes pontiagudos do peixe-de-três-cabeças tarefa das mais perigosas pois quando acaba tem que sair rápido antes que este o devore o que não é incomum acontecer as anêmonas-sereias ao contrário da maioria transparente proliferam coloridas emitem um som hipnótico em baixa freqüência que atrai principalmente os peixes-formiga que mesmerizados nadam em fila indiana em direção àquelas que os devoram até se fartarem alguns peixes-formiga já têm desenvolvido um dispositivo orgânico à prova daquele som fatal preocupadas as anêmonas têm que desenvolver outro mecanismo que atraia suas presas do contrário podem ser extintas em algum tempo lá fora o sol brilha em seu ponto máximo o reflexo de sua luz ofuscante produz um efeito caleidoscópico sobre as rochas multicor que compõem o desfiladeiro o vento gélido com fúria repentina atravessa o vasto corredor com velocidade cortante
Palavras em Transe - tela 1 (2006)
Acrílica s/ tela
314,0 cm (diâmetro)